quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O lado do espelho é o mesmo lado de cá

Parece que tudo que faço de cá
O mesmo acontece do lado de lá
Pois quando me vejo do lado de lá
Percebo pondo-me vestes do lado de cá
Que possuo lá, possuo cá
Ou, que possuo cá, possuo lá
Tanto cá, quanto lá, o mesmo há
Algo que parece impossível de negar.
                     
Se faço ou penso que faço o bem de cá,
Do lado de lá o mesmo acontece?
Talvez aconteça  quando estou diante do espelho!
Mas quando não estou?
Os valores e as coisas são as mesmas?
O que era impossível de negar já não pode se afirmar.

Será que o lado de lá também não percebe o mesmo?
Será que não quer saber se o lado de cá não é o lado de lá e se o lado de lá não é o lado de cá?
Será que existe o lado de lá?
Será que existe o lado de cá?

Vejo-me fazer o que faço cá
Sinto frio, sinto calor, de cá
Temos guerra, temos paz, temos pessoas, de cá
Pensamos, escrevemos, comemos, de cá
Não me vejo de lá eu cá como me vejo de cá eu lá
Não me sinto de lá como me sinto de cá
Pois quando seguro um copo, sinto cá, não sinto lá
Vejo o copo cá lá, mas não vejo o copo lá cá
Percebo-me percebendo cá
E lá se percebe a si mesmo percebendo lá e cá?
Mas lá não acontece o mesmo?
O lado de lá pode pensar o lado de cá?
O lado de lá sente o mesmo de cá?
O lado de lá vê o mesmo de cá?
Agora só há dúvida...

Eu lá talvez esteja tão angustiado quanto eu de cá
Eu lá talvez esteja tão cético quanto eu cá
Se é que eu cá sou o mesmo de lá?
Se é que o espelho cá é o mesmo lá?
Se é que o real cá é o mesmo lá?
Cá acontece o inverso de lá?
Alice ao encontrar a rainha no espelho
Teve que andar o inverso de cá
Encontra a rainha ao ir ao seu desencontro
Então lá acontece o inverso de cá

Qual lado será o lado, se é que há lado?
Mas, sem lado, como posso falar de lado?
Então parece absurdo do lado de cá afirmar algo do lado de lá
Entretanto, do lado de lá será também absurdo asseverar algo de cá

Entre a dúvida e a certeza
Entre a indecisão e a decisão
Entre o impossível e o possível
Entre lá e cá

Aparente dualismo
Unidade antagônica
Emergente realidade
Delirante Concretude

No exercício de pensar a si mesma
Reflete outra concretude
Abona-se em outra certeza incerta
Duplicando-se cá-lá
Dinamita sua certeza concreta
Tornando-se incerta certeza
Desancora-se em sua concretude incerta
Flutua entre a lucidez delirante e a delirante lucidez
Imagem reflexa, reflexo imagem
Nem lá e cá, nem lá ou cá assegura quem reflete quem

O que espelha, espelha para si
O que espelha para si, espelha para o outro
O que espelha para o outro, espelha o que é do outro
Para si espelha se espelha a si 
Para o outro espelha se espelha o outro
Para que tanto espelha para si quanto espelha para o outro?
Se simplesmente espelha?

Se só ocorre lá não ocorre cá
Se só ocorre cá não ocorre lá
Para que tanto lá quanto cá,
Se ocorre lá ou ocorre cá,
Se, afinal, tudo de lá, tem de cá?

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(*) Este poema foi apresentado e premiado (Troféu e certificado) entre os 4 melhores - categoria Cornélio Procópio acima de 15 anos - do 27° FESTIVAL POÉTICO (SESC Cornélio Procópio). Os poemas classificados e apresentados farão parte de um "Varal de Poesias" itinerante; também farão parte de uma coletânea de poesias do Festival Poético 2011.  

3 comentários:

Tiago Monteiro Violante disse...

A refutação do solipsismo pela análise lógica do espelho... essa é original

Lalá disse...

Olhe, meu caro Antonio, faz tempo que estou para escrever uma resposta a você.Na verdade não apenas uma mas várias, já que os pensamentos passam sempre velozes demais pela minha mente. Já li seu blog diversas vezes e os cometários que você deixa no meu também,sempre questionando se aquilo tudo sou eu mesma.Hoje resolvi ceder ao impulso,estou sem pensar, apenas escrevo. Seu jeito de escrever me cativa de um modo especial, como todos os poetas com quem converso, ao vivo ou entre livros. A poesia parece estar nos seus olhos como atravessa o meu sangue. Dizem que isso chama-se inspiração, eu não sei se acretido.Acho que é mais como um dom,como uma magia de ser. Sempre me perguntei se o que vejo no espelho realmente sou eu, as vezes percebo que sim e outras não, afinal, nem tudo é o que parece ser. Somos o que está além do espelho, somos mais do que os olhos podem ver, somos afinal, um conjunto que todos os sentidos apenas preveem existir.

Antonio Campos disse...

Lalá comentas como uma verdadeira dama: gentil, delicada e precisa. Gentil por enaltecer minha vaidade. Delicada da forma como tece suas palavras, carregadas de sentimentos. Precisa nas sua observações, pois quem é quem lá e cá? O que importa afinal se tanto lá quanto cá somos muito mais do que aparentamos ser. Afinal se ambos os mundos se influenciam ou se caminham de forma paralela, ainda cabe a cada um decidir pelo que ver, pensar, sentir. A poesia não se encontra somente nos meus olhos, mais também se encontra no sangue que corre em suas veias e, além disso, é o movimento e a transpiração do corpo que sou em acabamento pelo e com mundo.